15
Nov20
Short story (Todas as manhãs)
Maria J. Lourinho
Acho que quando ele nasceu a beleza não estava ao serviço.
Ou estava, mas disse que ia tirar meia horinha e já voltava, pensando, na verdade, em tirar o resto do dia.
Talvez por culpa daquela interminável meia horinha, arrasta discretamente uma perna, mas isso ele disfarça; o pior é que é tão estrábico, tão estrábico, que parece estar sempre a perscrutar os céus – será que chove, será que não chove...
Quando nos cruzamos, o que acontece todos os dias, invariavelmente com a cabecinha para cima, dá os bons dias e acrescenta, galante - “é sempre um prazer vê-la”, ou “gosto sempre de a encontrar”.
Eu confesso: primeiro desconfiei, mas depois gostei.
Ao contrário do que me ensinaram, mulher séria tem ouvidos, sim!, e depois de ele passar e falar, sei que sorrio, sendo que, por este tempo, o sorriso por baixo da máscara é um bem raro e precioso