Maria J. Lourinho
No seu artigo do Expresso desta semana, Pedro Mexia escreve um muito elogiado texto sobre o extremar de linguagem e posições políticas, defendendo “os mornos”.
Cito:
“A verdade é que, no campo político, vivemos em época de abominação dos “mornos”, tratados como cobardes, vendidos, traidores. Já aqui escrevi sobre alguns autores que nos últimos anos têm recusado a lógica de trincheira, e que receberam a consequente excomunhão ideológica …
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Fala, de seguida, de autores famosos, que foram muito criticados, como Albert Camus e a sua vontade de “não dizer coisas definitivas” ou a Hannah Arendt por “compreender que o demoníaco se pode manifestar através do entorpecimento do juízo, da máquina burocrática, do “obedecer a ordens”.
E conclui:
“...Dir-se-á que não há comparação entre estes casos e os de hoje, porque não estamos na Guerra Civil de Espanha, numa guerra mundial, numa guerra independentista ou em Guerra Fria. Mas se não estamos, se nem isso desculpa o fanatismo, porquê agora, à esquerda e à direita, a linguagem dos cobardes, dos traidores, dos vendidos, do “fazer o jogo de”, lamentável resquício de um século trágico?”
Ora, eu que sou admiradora do pensamento e postura do Pedro Mexia, gostava de me sentar com ele e perguntar-lhe:
Não acha que, aí desde os anos 1990, o capitalismo se tornou tão brutal e selvagem que as pessoas deixaram de confiar que, em caso de doença, seriam devidamente tratadas, que teriam boas escolas para os seus filhos, que eles iriam para a universidade se quisessem, que poderiam sempre pagar a renda da casa, que a sua reforma lhes permitiria viver decentemente e pagar os remédios, e que essa descrença, ou dúvida, torna nas pessoas inseguras, irritadas, extremistas, em suma, sementes de fanatismos?
A temperança no sec XXI é, parece-me, apenas companheira de vida de quem está confortável, como o Pedro Mexia - homem, branco, sem filhos, culto, e com formação que o faz desejado em muitos lugares públicos e privados. Muito semelhante aos meus filhos, aliás. Mas, para os outros, ser “morno” é difícil.