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O blog do bicho do mato

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18
Fev21

Dona Antónia (Short story)

Maria J. Lourinho

A minha mãe referia-se-lhe apenas por Antónia. Falando comigo, chamava-lhe Dona Antónia.

Esta era a forma que ela tinha de me mostrar o seu desprezo por certas formas de vida, mas também a necessidade de respeitar todos.

Dona Antónia vivia na nossa rua, no tempo em que o casco velho da cidade era a totalidade do mundo para os seus habitantes.

Era na rua que os rapazes brincavam aos polícias e ladrões, aos cowboys, ou jogavam hóquei em patins sem patins, apenas com sticks manhosos e uma bola pequenina.

As meninas não participavam nesses brincadeiras. Ficavam à janela olhando os jogos dos rapazes, cumprimentando quem passava (sempre os mesmos) e apreciando o incansável trabalho das formigas por baixo da janela de peito do rés-do-chão.

Dona Antónia, que ali vivia sozinha, era recatada mas, por vezes, ao final da tarde, com a lida da casa feita e arrumada, também assomava à janela e por ali se deixava ficar um bom bocado, numa lassidão sensual e bem tratada.

O cabelo, a começar a ficar grisalho, apresentava-se sempre impecavelmente apanhado numa “banana”, os lábios levavam um ligeiro toque carmesim. Nas poucas vezes que saía, Dona Antónia usava, invariavelmente, saia travada, blusa ou casaquinho, e sapatos de meio salto. Na mão, apenas as chaves e o porta moedas, como quem pensa – não me demoro. E não se demorava.

Presumo, hoje, tantos anos passados, que nunca saberia a que horas chegava, ou sequer se chegava, o lavrador alto, de chapéu e bota rasa, que metia a chave à porta com indisfarçável ar de dono da casa e de todo o seu recheio, pois que tudo ali era pago e mantido por ele.

As bruxas do burgo velho, iguais às que existem em toda a parte e gostam de sair de noite, diziam que o cavalheiro bem apessoado que alugava um quarto na casa ao lado fazia umas surtidas nocturnas que terminavam a deslizar para dentro da porta da dona Antónia.

É certo que em todas as vidas há bocados duros de roer e outros de puro prazer, mas gozar assim com o poderoso macho latifundiário? Não, não acredito. Nem nunca acreditei em bruxas.

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