Dia de ser demónio
De há dois ou três meses para cá, quase todos os dias me cruzo, na minha caminhada matinal pelo jardim, com um senhor já de alguma idade mas ainda ligeiro.
Quando o vejo, aí a uns trinta metros, percebo que tem uma máscara pendurada duma orelha. Mal ele me topa, à mesma distância, pendura a máscara também na outra orelha para estar devidamente protegido de mim, que nunca passo a menos de uns cinco ou seis metros dele. Suponho que faz o mesmo com toda a gente e não será embirração comigo.
Com os meus botões penso sempre o que lhe adiantará tanta manobra de põe e tira ali no jardim, a céu aberto e com pouca frequência àquela hora da manhã.
Isto é o que penso em dias normais mas, nos meus dias de ser anjo, sinto até simpatia para com o avisado cidadão (que por acaso não gosta de dar bons dias) que tanto se esforça a exercitar as pernas como a ginasticar os braços, para o que usa o constante afã com a máscara meia dose ou dose inteira.
Mas eu também tenho os dias de ser diabo e hoje era um desses. Quando o vi lá longe a pendurar o trapo na orelha fui, sorrateiramente enviesando a marcha para acabar por me cruzar com ele, mesmo, mesmo ombro a ombro.
Por uma vez o senhor deve ter pensado – ainda bem que me protegi desta maluca.
E eu pensei: de vez em quando sabe bem fazer uma patifaria(zinha). Faz bem à pele, liberta os poros e, como acabei rindo, ainda alarguei a caixa torácica.