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Última Paragem

O blog do bicho do mato

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Última Paragem

06
Mar23

Eu queria dizer isto, mas ele já disse

Maria J. Lourinho

O ensino público está há meses perturbado pelas greves. O sistema judicial adia milhares de diligências por força da paralisação dos oficiais de justiça. As urgências médicas da Área Metropolitana de Lisboa tiveram de ser reduzidas por falta de meios, e em zonas como as que são servidas pelo Hospital Beatriz Ângelo, médicos, autarcas e utentes falam com saudades da parceria público-privada que o Governo descartou. No serviço de estrangeiros, desiste-se de emitir autorizações de residência por falta de capacidade de resposta. A CP desdobra-se em greves a cada semana e em atrasos impensáveis sempre que opera.

...

Não se vislumbram indícios de que a tempestade seja passageira. Os sindicatos radicalizaram posições. Não há margem para o diálogo nem para a negociação, onde todos cedem. O Governo tenta apaziguar o conflito e fica à espera de que a tempestade passe. Deixa andar. Age como se tudo fosse normal. Não é. A escola pública pode perder o ano. Os tribunais ficam mais caóticos. Os hospitais afundam-se. O apego à democracia dilui-se. O PRR não faz milagres num país fracturado.

O Governo adora o Estado, mas testemunha a sua pior crise. Não se espera que proíba greves. Não se espera também que prolongue esta atitude passiva. Tem uma missão espinhosa: cumprir a lei e defender o interesse colectivo. Há momentos críticos em que é preciso clareza e coragem. Este é um deles. Pior de tudo, é viver esta crise grave como se nada fosse.

Manuel Carvalho, Público, 6 Março 2023

25
Out22

“Escola , escola, quem és tu”

Maria J. Lourinho

Penso muitas vezes com os meus botões, ou mesmo sem eles: a geração de portugueses que se situa agora entre os 35 e os 50 anos, praticamente toda ela estudou na escola pública. Na província, raramente havia colégios, e quando os havia não eram lá muito bons. Findo o 12º anos, os jovens, mais ou menos abonados, rumavam a cidades maiores para fazer o curso superior. Mesmo nessas cidades maiores, ao tempo, a escola pública dominava.

São hoje os nossos médicos, engenheiros, arquitectos, informáticos, professores, cientistas, artistas plásticos, músicos, cineastas etc. Temos muitos e bons, todos formados na escola pública, que funcionou, então, como um verdadeiro elevador e nivelador social.

Conseguíamos, por esse tempo, uma sociedade mais equilibrada, em que cada um dos seus novos membros , ao longo da sua formação, contactava com colegas muito diferentes de si, em inteligência, capacidade, origem social, empenho, escolhas de vida, pré-qualificações etc.

Hoje, a estratificação social começa logo no infantário, segue para o colégio privado, para terminar, frequentemente, na U. Católica ou similar, e o jovem nunca chega a contactar com classes sociais diferentes da sua. Obviamente, a história termina com o casamento entre pessoas que fizeram o mesmo percurso, para tudo voltar ao princípio com o nascimento dos filhos.

Dissemos adeus ao elevador social e a uma sociedade mais igualitária.

Onde foi mesmo que nos perdemos?

 

Nota: “Escola , escola, quem és tu” é o título de um livro sobre educação, de Vitor da Fonseca e outros, publicado pela primeira vez em 1977.

06
Mai21

Leituras VII

Maria J. Lourinho

António Guerreiro (Público), a pôr o dedo na ferida em que ainda ninguém pôs

...

Em tempo de reparações e de assumpção de injustiças colectivas, ainda ninguém veio reivindicar que seja reparado, ou pelo menos nomeado, o crime cometido sobre as crianças e adolescentes na escola de antigamente, quando as sevícias faziam parte dos métodos pedagógicos. Quem frequentou a escola ou os liceus nesse tempo (acho que o 25 de Abril constituiu, também aqui, uma cesura, mas não sei se foi imediata e generalizada) sabe bem que muitos professores tinham métodos sádicos e comportamento de carrascos. Não sou certamente o único que tem uma memória da escola primária como uma instituição de terror, um lugar a que sobrevivi a custo, mas que me deixou marcas que a memória reactiva com mais força à medida que o tempo passa. Percebo hoje que essa escola era profundamente medíocre (quando a frequentei tinha apenas uma muito vaga noção de que era odiosa) e, dela, havia os que se salvavam e os que submergiam (bem sei que estas palavras são uma ilegítima e perigosa citação, mas como deixar de ver essa escola como um “espaço concentracionário”?). Aí, a arbitrariedade era absoluta e os castigos infligidos às crianças eram semelhantes aos de uma colónia penal. Numa época em que não havia o controlo que há hoje e as crianças iam em grupo, a pé, para a escola, alguns “fugiam à escola” e ficavam escondidos, até à hora do regresso a casa, para escaparem à tortura. Recordo alguns nomes e rostos de colegas “fugitivos”, que depois tinham que enfrentar os pais; e que eram vistos como potenciais delinquentes e socialmente falhados. Recordo-os e interrogo-me se eles nunca pensaram em pedir contas pelo mal que lhes fizeram, por terem sido condenados ao falhanço por gente criminosa. Interrogo-me também se eles, já adultos, conseguiram cruzar-se com esses antigos professores sem os insultarem ou sentirem uma enorme aversão. E pergunto: como foi possível, já depois de ter desaparecido este ambiente escolar, manter a complacência em relação a professores que foram agentes do terror? A pedofilia é um crime que não prescreve; uma escola que pratica a pedocriminalidade deveria ser julgada. Se os ditos professores agiam assim por obediência a uma concepção da escola e da pedagogia instauradas como ideologia do Estado, então o Estado devia, em algum momento, ter pedido desculpa às vítimas e assumir a responsabilidade que não poder ser pedida aos carrascos que tinha ao seu serviço. As vítimas, uma enorme multidão, têm direito, pelo menos, a uma pedido oficial de desculpa. Mesmo que em muitos os casos o mal cometido seja da ordem do irreparável.

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