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Última Paragem

O blog do bicho do mato

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Última Paragem

08
Out24

O amor

Maria J. Lourinho

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Fábio Loureiro fugiu da cadeia, gozou um mês de ar livre e voltou à choça.

E o que desgraçou este homem que mete medo à sociedade? O Amor.

Podia ter continuado em Tânger, gozando a temperança mediterrânica, com todas as suas necessidades satisfeitas, mas o Amor tramou-o.

Podia ter dança do ventre todos os dias (ou noites), podia ter insinuantes bailarinas dos sete véus, podia comer tâmaras e beber chá de menta à beira da piscina enquanto planeava o próximo golpe mas...em vez disso, o que fez? Sentia um vazio no peito, desatou a emagrecer, quiçá a ter insónias. E foi então que percebeu que não podia viver nem mais um dia sem ver a sua namorada.

Ela foi. E a polícia também.

Moral da história, e plagiando sem piedade a maravilhosa letra de João Gilberto, podemos concluir que no peito de um bandido... também bate um coração.

Ou ainda, talvez melhor, plagiando Miguel Esteves Cardodo, O Amor é F*****.

25
Jul24

Amor

Maria J. Lourinho

A menina de 6 anos, que tem um único irmão de 7, perdeu-se na praia.

O sistema de comunicação entre banheiros funcionou na perfeição e a menina, rapidamente, foi encontrada.

Sobrou o susto e a humilhação que a faziam soluçar.

Toda a família ofereceu generosos abraços que foram aceite com relutância, e sem conseguirem parar os soluços.

Até que a menina, vendo o seu irmão esticado ao sol, de barriga para baixo na sua toalha, depois de também muito se ter assustado, deitou-se sobre ele, pousou-lhe a cabeça no tronco, relaxou os braços e, ali, pele com pele, os soluços foram parando, até cessarem. 

Tudo foi silencioso e durou poucos minutos.

O verdadeiro consolo tinha sido encontrado.

Depois, ora, depois, as brincadeiras continuaram.

03
Abr23

Morrer de amor?

Maria J. Lourinho

Cresci a ouvir dizer: ninguém morre de amor!

Eis senão quando, encontro esta afirmação de António Damásio em documentário da RTP - Deus Cérebro:

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Nós sabíamos, mas fizeram tudo o que puderam para que não acreditassemos. 

Agradecida, professor (foi meu professor de neurologia da linguagem há muito, muito tempo)

27
Out22

Futebol

Maria J. Lourinho

Se eu não gosto, não entendo, nem me interesso por futebol.

Se me sento ao lado do meu marido, a ler, enquanto ele vê os jogos internacionais e os da selecção.

Se festejo com ele os golos que não vi.

Será isso o amor em provecta idade?

04
Ago22

Nasceu

Maria J. Lourinho

Nasceu pequenino, chorão e comilão, mas nessas primeiras horas também me apresentou ao mais misterioso de todos os amores. Forte, inabalável, corajoso, profundo, guerreiro, doce, eterno, assim é o amor de mãe para filho.

Se eu fosse dada a filosofias esotéricas, reencarnação, new age etc., etc., diria que fui abençoada por ele me ter escolhido para mãe; como não sou, digo que os melhores genes de duas tribos se uniram neste homem que é meu filho e que faz hoje anos.

Porque é inteligente, bonito, trabalhador, humano, sensível, criativo, leal, honesto.

E tenho a certeza que não estou a exagerar com os meus olhos de mãe, pois, de cada vez que ele me apresenta alguém mais velho do que ele, logo sou olhada com genuína simpatia, e não é mesmo nada raro que me digam: muito prazer, e parabéns pelo seu filho.

Ele faz anos hoje, e eu agradeço à vida tê-lo posto no meu caminho e ter feito de mim, também, uma pessoa melhor.

22
Mar21

O vírus e o amor

Maria J. Lourinho

No sábado, li que houve manifestações anticonfinamento e antivacinas em várias cidades da Europa. O Observador referia que milhares de suíços protestaram contras as restrições impostas para conter a pandemia e que nos seus cartazes podia ler-se coisas tão extraordinárias como:

“Chega!”, “Vacinas matam” ou, a minha preferida, “Que o amor seja o vosso guia, não o medo”.

Eu, que sou uma mocita um nadinha impaciente com a estupidez, se mandasse, aconselhava-os de borla - armazenam muito amor, guardem-no em pipas, silos, garrafões ou frasquinhos de essências, e curem-se com ele porque, na hora em que recusarem a vacina, serão obrigados a assinar termo de responsabilidade em como desistem dela mas, em simultâneo, desistem também de qualquer tratamento em caso de se infectarem com coronavirus.

Este amor labrego anda à solta em toda a parte, como o vírus.

Sorte a deles que eu não mando nada.

09
Mar21

Empatia e civilização

Maria J. Lourinho

Um dia, há muitos anos, um aluno perguntou à antropóloga Margaret Mead qual era, para ela, o primeiro vestígio de civilização humana. A antropóloga americana respondeu: “Um fémur com 15 mil anos encontrado numa escavação arqueológica.”

O aluno esperava que a professora falasse de anzóis, ferramentas ou barro cozido, mas Mead continuou: “O fémur estava partido, mas tinha cicatrizado. É um dos maiores ossos do corpo humano (liga a anca ao joelho) e demora seis semanas a curar. Alguém tinha cuidado daquela pessoa. Abrigou-a e alimentou-a. Protegeu-a, ao invés de a abandonar à sua sorte”.

Na natureza, qualquer animal que parta uma perna está condenado. Se for um predador, não consegue caçar; se for uma presa, não consegue fugir. Está morto. Então, concluía Mead, que lutou pelos direitos das mulheres nos anos 50 e 60 e foi galardoada com a medalha da liberdade, o que nos distingue enquanto civilização é a empatia, a capacidade de nos preocuparmos com os outros.

Li isto, e tomei nota, há, de certeza, mais de um ano, não sei onde nem porquê. Partilho hoje aqui porque, neste tempo tão difícil para tantos, vale a pena lembrar que só o amor nos salva.

08
Mar21

Mulheres

Maria J. Lourinho

Esta é uma história verdadeira em que apenas os nomes foram alterados.

Josefa, Esmeralda, Ilda, Maria e Conceição, todas viveram nos anos de 1940. Mais velhas ou mais novas, a nenhuma foi estranho o rescaldo da Segunda Guerra Mundial e o salazarismo, com o seu cortejo de racionamentos, medos, carências e sacrifícios, num tempo em que, sem qualquer vislumbre de protecçao social, as pessoas estavam entregues a si próprias.

Josefa e Esmeralda eram irmãs, e Conceição era cunhada de Josefa.

A filha mais velha de Josefa, Joana, casou com Xavier, que era filho de Maria e irmão de Ilda.

Quando Xavier adoeceu com tuberculose, o jovem casal teve de deixar uma promissora vida na capital e de regressar às origens.

Doença e desemprego eram, e são ainda, causas maiores de pobreza, humilhação e sofrimento, caso não se tenha uma rede de apoio para amortecer a queda.

A rede física e psicológica deste casal foi formada pelas cinco mulheres inicialmente nomeadas.

Era preciso comprar penicilina, novo e caríssimo fármaco, para salvar Xavier.

Para isso, e sem hesitações, Ilda, a irmã de Xavier, vendeu todo o seu ouro e Maria, mãe de Xavier, vendeu não só o ouro, mas também a máquina de costura, um bem caro e precioso para as mulheres da época, quantas vezes comprado com muitas e sacrificadas prestações.

A mãe de Joana, mandava tudo o que podia para a alimentação e a tia Conceição, dona da casa que o casal arrendava, pagava do seu bolso a renda da casa ao próprio marido, sem que este desconfiasse da tramoia.

Quando Xavier melhorou mas ainda não tinha trabalho, e saía um pouco ao domingo à tarde, muitas vezes a tia Esmeralda, subrepticiamente metia-lhe no bolso uma nota de 20 escudos para as suas necessidades – tabaco, café e jornal, as necessidades mínimas de um homem naquele tempo.

Um verdadeiro complô de mulheres tomou conta do casal e salvou-o, deixando os homens nas suas vidas e na sua ignorância. Ou, pelo menos, elas assim acreditavam.

 

8 de Março é o Dia Internacional da Mulher.

Este ano, celebro-o homenageando estas minhas antepassadas, mulheres de fibra, generosas e lutadoras de que muito me orgulho.

 

 

05
Jan21

Meio Sol Amarelo, Chimamanda Ngozi Adichie

Maria J. Lourinho

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Mais de 700 páginas com cheiro a África. Romance de grande fôlego para uma tão jovem mulher. A Nigéria e o Biafra, com a respectiva guerra, são o pano de fundo onde se cruzam amores, traições amorosas, perdão, política, sofrimento, amizade, fé numa causa, atrocidades e crescimento pessoal.

Uma viagem no tempo e no espaço num comboio conduzido com honestidade e segurança.

20
Dez20

Short story (O comissário)

Maria J. Lourinho

O senhor comissário da polícia era alto, forte, e dono dum exuberante bigode preto.

Homem de meia-idade, usava a farda azul marinho com aprumo, apesar de os nossos olhos serem atraídos, e se deterem, antes de mais, no lustroso cassetete em cujo manejo, dizia-se, era exímio. Era o tempo da ditadura, e o homem, no seu conjunto, tinha forma de respeitinho; ou de medo.

O senhor comissário era casado com Celina. Esta, por sua vez, era maravilhosamente pequena, não iria além do metro e meio. Loira, de pele lisa e rosada, cifose dorsal acentuada, tão simples e modesta quanto simpática.

Curiosamente, a sua única e evidente vaidade concentrava-se nas mãos, cujo arranjo nunca descurava, apesar de ser ela que fazia todo o trabalho doméstico.

Não havia filhos, mas Celina tinha um cão, pequeno como ela, que abusava dos agudos ao ladrar.

Quando era verão e as janelas estavam abertas, na hora do senhor Sousa chegar a casa para almoçar, ouviam-se, por aquelas travessas do burgo velho, os desenfreados, repetidos, repenicados e altissonantes beijos do comissário na bochecha rosada da Celina.

Lá em casa éramos todos cúmplices daquele expansivo afecto que nos entrava fresco e brejeiro pelas janelas.

Quem diria? Entreolhavamo-nos e sorríamos, silenciosos, quase embevecidos.

Quando este alvoroço acalmava e a vida retomava a pacatez provinciana, o que voltava a sair pelas janelas abertas da vizinhança eram os aromas das comidas alentejanas, mais os seus indisfarçáveis temperos igualmente doces e quentes

Era hora de também nós irmos almoçar.

E estava tudo bem.

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