Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Os europeus de barriga cheia andam indignados com tantos imigrantes. Assim sendo, pumba!, votam na extrema-direita xenófoba. Ontem em Itália, antes, na sempre exemplar Suécia.
Dantes, ficava preocupada; agora, vou sentindo um desprezo cada vez mais profundo por estes eleitores europeus como eu.
Mas gostava que, ao menos uma vez, se lhes fizesse o gosto - sem imigrantes - aí durante um mês antes das eleições.
Ficariam sem pessoal para lhes varrer o chão, despejar o lixo, limpara as latrinas públicas, apanhar a fruta, servir à mesa, lavar os tachos, limpar o rabo dos doentes, empurrar as macas, levar a comidinha Uber a casa.
E depois já podiam ir votar.
Em Março, olhava os telejornais e via autocarros a encherem-se de mulheres e crianças para sair da Ucrânia.
Agora, sete meses depois, olho os mesmos telejornais e vejo autocarros a encherem-se de homens para sair da Rússia.
Para quê tantos comentadores se uma imagem ainda vale por mil palavras?
Ontem, lembrei-me disto:
"Ao que consta, Deus pôde criar o mundo do nada, mas o resultado de tanta improvisação não recomenda este procedimento."
Fernando Savater
in "O Valor de Educar"
Sempre que possível, tudo fazemos para sacudir a água do capote.
De cada vez que alguma coisa dramática nos acontece, tentamos imediatamente encontrar culpados fora de nós, porque assumir a culpa é doloroso, às vezes insuportavelmente doloroso.
E aceitar que alguma coisa não é culpa de ninguém é ainda mais difícil.
Vem isto a propósito da decisão do Tribunal Internacional de Direitos do Homem, que ilibou o Estado português no processo apresentado contra si pelo casal McCann.
A culpa sentida por este casal, pais de Maddie McCann, deve ser tão insuportável que, passados quase vinte anos ainda andam de processo em processo, procurando encontrar culpas noutos.
E este é só um exemplo. Assim de repente, lembro os pais dos universitários arrastados pelas ondas numa noite fria de inverno graças às suas descerebradas praxes, os desmedidos fogos de Pedrógão e os incontroláveis fenómenos naturais que nos recusamos a admitir que, de facto, não controlamos, ou a grávida que morre entre hospitais, numa viagem feita com todas as condições, mas a quem uma imprevista paragem cardio-respiratória surpreendeu pelo caminho.
Às vezes, a nossa dor é tão lancinante que precisamos de a substituir por um poderoso ódio e, nesse caso, encontraremos sempre alguém para quem o dirigir e a quem atribuir A CULPA.
Há precisamente 5 anos, tive um problema cardíaco.
Desde então, e todos os anos sem sexcepção, à roda do dia 20 de Setembro volto a ter todos os sintomas.
No resto do ano, não tenho nenhuns.
A cabecinha é uma máquina ainda mais prodigiosa que o coração.
Hoje perguntei ao meu fisioterapêuta que tal de fim de semana.
- Foi bom. No sábado o miúdo teve duas festas de anos. Ontem, o meu sogro veio e ele, a minha mulher e o miúdo foram ao jogo do Benfica. Eu fiquei com a pequenina e, enquanto ela dormia a sesta, conseguir organizar a semana toda com sopas e tudo.
Digo sempre que nasci cedo demais.
De há um tempo para cá, venho dizendo que o país enlouqueceu. Ora veja-se se não tenho razão:
!!!
Nas manhãs geadas do Alentejo, e nos primeiros anos de liceu, a minha mais habitual companheira de caminho era mais pobre do que eu. As mãos "engadanhavam" com tanto frio, e ela não tinha luvas. Então, eu emprestava-lhe uma, a da mão direita, que eu podia meter no bolso, pois era com a esquerda que carregava os livros. Ela fazia uso contrário, e ambas ficávamos mais confortáveis.
A infância pode ser cruel sem dar por isso. Pode também ser generosa sem dar por isso.
Tudo nela é livre e sem rótulos. E há ainda muitos conceitos e preceitos que lhe são alheios.
Só em adulta compreendi que existe, em todos nós, mas por pouco tempo, uma forma de generosidade em que o cérebro não participa.
Um dia, há muitos anos, o colega mais desejado do curso, assim do nada, convidou-me para ir com ele ouvir free jazz no Hot Club.
Gosto de jazz, mas do free jazz não gostei muito.
Gostei, isso sim, da companhia, e divertiu-me muitíssimo a ciumeira manifestada no dia seguinte por uma mão cheia de mulheres.
Que será feito do António?