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Última Paragem

O blog do bicho do mato

O blog do bicho do mato

Última Paragem

12
Mai21

Lixo, lixo e mais lixo, dentro e fora da Terra.

Maria J. Lourinho

..."Estima-se que existam atualmente cerca de 9300 toneladas de lixo espacial a orbitar a Terra. Segundo a Agência Espacial Europeia (ESA), (...) desde o início da exploração espacial, em 1957, cerca de 6.000 lançamentos espaciais colocaram mais de 26.000 objetos na órbita terrestre. Destes, só cerca de 2.800 estão funcionais, constituindo os restantes detritos espaciais, a maioria dos quais "são fragmentos de cerca de 550 desintegrações, explosões, colisões ou eventos anómalos que originam a fragmentação dos satélites ou de partes dos foguetões”, explica a ESA. Os números são ainda mais impressionados quando se considerarem os detritos mais pequenos, que não podem ser monitorizados: a agência estima que habitem a órbita terrestre 900 mil objetos maiores do que 1 centímetro e 128 milhões com mais do que um milímetro.

É uma “autêntica ‘constelação’ de lixo espacial”, com um grande potencial de destruição, afirma Pedro Mota Machado, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço da Universidade de Lisboa. Pelo facto de atingirem velocidades que chegam aos 56.000 km/hora, mesmo objetos do tamanho de uma unha podem inutilizar por completo um satélite ou causar danos sérios numa nave espacial, pondo em perigo a segurança dos astronautas. Uma ameaça que ficou evidente há pouco mais de duas semanas, quando os astronautas da missão Crew-2 da Space X, que viajavam em direção à Estação Espacial Internacional (EEI), foram aconselhados a recolocar os seus fatos e a sentarem-se em segurança devido a uma potencial colisão com lixo espacial, que não se confirmou."

...

Excerto de um artigo do Expresso do jornalista Nelson Marques, 10 Maio 2021

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11
Mai21

Levantar patentes, sim ou não

Maria J. Lourinho

Sendo as patentes das vacinas a questão do momento, resolvi informar-me com quem sabe bastante e está no meio, mas tem a vantagem de não vender vacinas. Esta foi a resposta que recebi.

"1 - temos um problema de capacidade instalada de produção de vacinas para as necessidades da população mundial
2 - as patentes impedem que outras farmacêuticas invistam na produção de vacinas cópia das já aprovadas (tipo genéricos)
 
Se levantarmos a patentes, isso vai fazer muito pouco ou nada em termos de aumento da capacidade instalada nos próximos 12 meses (pelo menos em situação normal de produção de medicamentos assim seria)
 
O levantamento das patentes pode gerar duas questões que podem piorar ainda a nossa posição
 1) na verdade, desresponsabiliza a Pfizer, a Moderna, Astra e outras originadoras da responsabilidade de produzirem. Isso pode ser muito problemático quando o primeiro mundo estiver vacinado e o terceiro não. Acho que dado as dores de cabeça que as vacinas podem dar (veja-se o exemplo da Astra) isso pode criar um incentivo perverso de algumas farmacêuticas simplesmente dizerem bem- agora já libertamos as patentes outros que produzam, não nos podemos dar a esse luxo
 2) se dermos este passo penso que, se precisarmos da farmacêuticas para fazerem uma nova vacina em tempo recorde para uma estirpe para a qual estas vacinas não funcionam vamos encarar muito resistência.
 
Ainda assim, acho que devíamos encontrar uma solução que passe por levantar as patentes. O meu argumentos é que, se foi possível em 9 meses com os incentivos certos criar uma vacina, será que com os incentivos certos podemos duplicar a capacidade instalada em 9 meses? Se esse for o objectivo então pode fazer sentido, mesmo correndo os riscos que referi acima, e podemos abrir patentes e criar os incentivos à capacidade de produção, mas também impor royalties que compensem os originadores.
 
O problema é que também suspeito que, para muitos, o objectivo não é duplicar a produção. Para a Índia e para a África do Sul, que muito advogam esta solução, é um argumento económico. Para a Alemanha e a UE também há um argumento económico, dado que a indústria farmacêutica ainda é uma das poucas em que a Europa dá cartas. Para muitos outros pode ser uma questão ideológica ou de conveniência política conjuntural e pouco estruturada, focada mais em prevenir lucros do que em resolver o problema. 
 
Claro que a indústria acha que isto pode ser o início do fim das patentes (e se calhar é mesmo) mas na minha óptica estamos numa emergência e nenhuma opção pode ser um tabu.
 
Enfim, estou certo que há muitos mais argumentos a favor ou contra, e que nada disto é muito simples de atacar."
 
Agora volto eu só para rematar -  mas os partidos querem fazer-nos crer que, estalando os os dedos, derrubamos as patentes e o mundo está salvo num instante. Simples, não é? Pois, não é!
 
10
Mai21

Europa

Maria J. Lourinho

Não poucas vezes, na minha cabeça, visualizo a Europa como uma velha senhora daquelas com mãos nodosas e artríticas que, na fila do supermercado, a custo tiram as moedas da carteira.

Levam muito tempo e parecem estar sempre de má vontade.

Depois, quando oiço dizer, como hoje, que USA, Israel e Grã-Bretanha estão mais avançados na vacinação porque ainda não exportaram uma só vacina (sendo países produtores), e que  “Até hoje, na União Europeia, foram produzidas 400 milhões de doses de vacinas, e 50% delas foram exportadas para 90 países diferentes no mundo",  nessa altura, dizia eu, perdoo a senhora idosa, lenta e muitas vezes avarente.

 E penso sempre duas coisas:

Apesar de tudo, é melhor estar dentro do que fora.

Esta ainda é a melhor parte do mundo para viver.

09
Mai21

Afinal havia muitas

Maria J. Lourinho

Quando os proprietários agrícolas de Odemira perceberam que iriam perder as colheitas porque os trabalhadores não tinham transporte para ir do Zmar para o trabalho, apareceram muitas casas para eles dentro das propriedades.

Quando ao presidente da Câmra foi perguntado porquê só agora, ele nem sequer chuta para canto, chuta logo para fora do campo.

As cumplicidades são muitas.

A minha vergonha ainda não acabou: aqueles migrantes ganham 3 euros (três euros) à hora.

Uma cambada, estes empresários de aviário.

07
Mai21

Pele escura no Zmar

Maria J. Lourinho

Nos últimos tempos, não me lembro de nada que me tenha enojado tanto no comportamento dos meus compatriotas como o que se está a passar no tal Zmar.

A mesquinhez daquelas pessoas, sem um pingo de compaixão para com os seus semelhantes - famílias que vêm do outro lado do mundo à procura duma vida melhor, que passam por sacrifícios inauditos, que estão a viver em condições degradantes e que NÃO estão infectadas com corona virus - deixam-me, na expressão bem alentejana, "por cima das azinheiras".

Nós somos o tal país de 10 milhões de habitantes que tem mais de 4 milhões de portugueses espalhados pelo mundo mas, mal temos um barraco ao pé do mar logo tememos a proximidade e contaminação, sobretudo se o outro tiver a pele escura.

Um barraco ao pé do mar faz de nós uma espécie de "última e preciosa batata frita do pacote".

Eu sinto tanta vergonha...

06
Mai21

Leituras VII

Maria J. Lourinho

António Guerreiro (Público), a pôr o dedo na ferida em que ainda ninguém pôs

...

Em tempo de reparações e de assumpção de injustiças colectivas, ainda ninguém veio reivindicar que seja reparado, ou pelo menos nomeado, o crime cometido sobre as crianças e adolescentes na escola de antigamente, quando as sevícias faziam parte dos métodos pedagógicos. Quem frequentou a escola ou os liceus nesse tempo (acho que o 25 de Abril constituiu, também aqui, uma cesura, mas não sei se foi imediata e generalizada) sabe bem que muitos professores tinham métodos sádicos e comportamento de carrascos. Não sou certamente o único que tem uma memória da escola primária como uma instituição de terror, um lugar a que sobrevivi a custo, mas que me deixou marcas que a memória reactiva com mais força à medida que o tempo passa. Percebo hoje que essa escola era profundamente medíocre (quando a frequentei tinha apenas uma muito vaga noção de que era odiosa) e, dela, havia os que se salvavam e os que submergiam (bem sei que estas palavras são uma ilegítima e perigosa citação, mas como deixar de ver essa escola como um “espaço concentracionário”?). Aí, a arbitrariedade era absoluta e os castigos infligidos às crianças eram semelhantes aos de uma colónia penal. Numa época em que não havia o controlo que há hoje e as crianças iam em grupo, a pé, para a escola, alguns “fugiam à escola” e ficavam escondidos, até à hora do regresso a casa, para escaparem à tortura. Recordo alguns nomes e rostos de colegas “fugitivos”, que depois tinham que enfrentar os pais; e que eram vistos como potenciais delinquentes e socialmente falhados. Recordo-os e interrogo-me se eles nunca pensaram em pedir contas pelo mal que lhes fizeram, por terem sido condenados ao falhanço por gente criminosa. Interrogo-me também se eles, já adultos, conseguiram cruzar-se com esses antigos professores sem os insultarem ou sentirem uma enorme aversão. E pergunto: como foi possível, já depois de ter desaparecido este ambiente escolar, manter a complacência em relação a professores que foram agentes do terror? A pedofilia é um crime que não prescreve; uma escola que pratica a pedocriminalidade deveria ser julgada. Se os ditos professores agiam assim por obediência a uma concepção da escola e da pedagogia instauradas como ideologia do Estado, então o Estado devia, em algum momento, ter pedido desculpa às vítimas e assumir a responsabilidade que não poder ser pedida aos carrascos que tinha ao seu serviço. As vítimas, uma enorme multidão, têm direito, pelo menos, a uma pedido oficial de desculpa. Mesmo que em muitos os casos o mal cometido seja da ordem do irreparável.

05
Mai21

Frances, seu cabelo e o filmezinho

Maria J. Lourinho

frances-mcdormand (2).jpg

Não é bem um filme, nem é bem um documentário.

Será talvez “uma coisa em forma de assim”, a atirar para o road movie sem chama.

Vive da Frances McDormand com a sua representação contida e essencial, das paisagens do midwest americano, ora belo ora agreste, tudo acompanhado por uma música intrusiva e, vá lá, para ser simpática, não muito boa.

Aqueles nómadas americanos são-no porque tiveram de o ser ou apenas porque sim. Não reivindicam nada. Caminham, param, conhecem-se, partem de novo. A política é-lhes estranha.

Para mim, cinema não é bem isto.

Se calhar, para Frances McDormand também não é, pois parece ter dito no dia dos Óscares: Arranjem-me um trapo qualquer para eu vestir e ir ali buscar o boneco. E na porcaria do cabelo ninguém me põe as mãos, ouviram?

Ver um filme inteiro de máscara também não é agradável.

Podia ter ficado em casa a ver uma série da Netflix.

03
Mai21

Via rápida para perder a razão

Maria J. Lourinho

Nos últimos dias, nas redes sociais, caiu com estrondo um post da jornalista Joana Emídio Marques, no Facebook, sobre o assédio sexual que sofreu por parte de um conhecido editor português. A revista Sábado deu amplo destaque ao assunto.

Mulher que sou, e desde sempre defensora dos meus direitos, que considero serem exactamente os mesmos dos homens, também eu entendo que chegou o tempo de pôr fim ao “comer e calar” que sempre existiu na nossa sociedade, isto é, as mulheres devem falar, sim, denunciar e, se for possível apresentar queixa.

Se o nome dos abusadores (não confundir com violadores) deve ser posto na praça pública para o respectivo linchamento público, é coisa que me deixa muitas dúvidas, mas não condeno nem defendo porque acredito que só quem vive a situação sabe como deve actuar, segundo a sua personalidade, a sua humilhação, a sua dor.

Porém, a jornalista, a dado passo do post, escreve:

No meio literário, por exemplo, toda a gente sabe que Manoel de Oliveira assediava e perseguia as suas jovens colaboradoras. Que Saramago, David Mourão Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues assediavam mulheres e não sabemos sobre quantas usaram o seu poder para obter favores sexuais.”

Todos mortos!

Manoel de Oliveira teria agora 112 anos, José Saramago 99, David Mourão Ferreira 94, e Urbano Tavares Rodrigues 98 anos. Ora, todos estes nomes fazem parte da nossa memória colectiva, todos pertencem à galeria dos nossos intelectuais, todos são nomes da nossa cultura no campo das artes e sobretudo das letras, todos têm família viva, e todos foram homens do seu tempo.

Querer analisar comportamentos desse tempo à luz dos valores de hoje parece-me estúpido, trazer a público os seus nomes sem poder pedir-lhes contas, nem permitir defesa, porque estão mortos, não é sequer mau gosto, é malvadez, e para isso não encontrarei nunca uma justificação.

Trilhar este caminho é, parece-me, usar uma via rápida para perder a razão.

01
Mai21

A pastilha

Maria J. Lourinho

A minha boca é o meu mealheiro. Ao longo dos anos, vários homens e mulheres ganharam, à custa dela, o seu pão de cada dia. Há perto de 20 anos entreguei-me nas mão de uma clínica integrada onde há uma dezena de profissionais de primeira, cada um com sua especialidade, e por cujas mãos, brocas, agulhas, bisturis e demais instrumentos a minha dispendiosa boca vai passando.

A Helena, a Rute o António, o outro António, o José, a Ana, a Carla, a Andreia, a Sandra, eis a minha “turma” maravilha.

O José é o que fala em inho e o único com quem mantenho uma relação distante. Os outros são como família.

Esta semana estive com o duo Helena/António. Fez-se o trabalho e o António deu-me um comprimido analgésico para trazer para casa, embora eu achasse que não era preciso.

Ao final da tarde, a tentação de me sentir bem era já grande e acabei por tomar o analgésico.

O que seria aquilo, não sei, mas sei que aos poucos, docemente, o corpo foi entrando num limbo em que não estava acordado nem a dormir. A quietude interior era absoluta, o coração batia ritmado e calmo, a respiração era um sopro. Estava-se bem, ali esticada no sofá, no mar da tranquilidade. Não queria regressar, nem ir mais além.

Aquilo durou umas duas hora, e não foi mau. Nem bom. Foi estranho.

Prosaico, o meu filho riu-se muito e limitou-se a dizer que eu apanhei uma grande moca.

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