Via rápida para perder a razão
Nos últimos dias, nas redes sociais, caiu com estrondo um post da jornalista Joana Emídio Marques, no Facebook, sobre o assédio sexual que sofreu por parte de um conhecido editor português. A revista Sábado deu amplo destaque ao assunto.
Mulher que sou, e desde sempre defensora dos meus direitos, que considero serem exactamente os mesmos dos homens, também eu entendo que chegou o tempo de pôr fim ao “comer e calar” que sempre existiu na nossa sociedade, isto é, as mulheres devem falar, sim, denunciar e, se for possível apresentar queixa.
Se o nome dos abusadores (não confundir com violadores) deve ser posto na praça pública para o respectivo linchamento público, é coisa que me deixa muitas dúvidas, mas não condeno nem defendo porque acredito que só quem vive a situação sabe como deve actuar, segundo a sua personalidade, a sua humilhação, a sua dor.
Porém, a jornalista, a dado passo do post, escreve:
“No meio literário, por exemplo, toda a gente sabe que Manoel de Oliveira assediava e perseguia as suas jovens colaboradoras. Que Saramago, David Mourão Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues assediavam mulheres e não sabemos sobre quantas usaram o seu poder para obter favores sexuais.”
Todos mortos!
Manoel de Oliveira teria agora 112 anos, José Saramago 99, David Mourão Ferreira 94, e Urbano Tavares Rodrigues 98 anos. Ora, todos estes nomes fazem parte da nossa memória colectiva, todos pertencem à galeria dos nossos intelectuais, todos são nomes da nossa cultura no campo das artes e sobretudo das letras, todos têm família viva, e todos foram homens do seu tempo.
Querer analisar comportamentos desse tempo à luz dos valores de hoje parece-me estúpido, trazer a público os seus nomes sem poder pedir-lhes contas, nem permitir defesa, porque estão mortos, não é sequer mau gosto, é malvadez, e para isso não encontrarei nunca uma justificação.
Trilhar este caminho é, parece-me, usar uma via rápida para perder a razão.