A pastilha
A minha boca é o meu mealheiro. Ao longo dos anos, vários homens e mulheres ganharam, à custa dela, o seu pão de cada dia. Há perto de 20 anos entreguei-me nas mão de uma clínica integrada onde há uma dezena de profissionais de primeira, cada um com sua especialidade, e por cujas mãos, brocas, agulhas, bisturis e demais instrumentos a minha dispendiosa boca vai passando.
A Helena, a Rute o António, o outro António, o José, a Ana, a Carla, a Andreia, a Sandra, eis a minha “turma” maravilha.
O José é o que fala em inho e o único com quem mantenho uma relação distante. Os outros são como família.
Esta semana estive com o duo Helena/António. Fez-se o trabalho e o António deu-me um comprimido analgésico para trazer para casa, embora eu achasse que não era preciso.
Ao final da tarde, a tentação de me sentir bem era já grande e acabei por tomar o analgésico.
O que seria aquilo, não sei, mas sei que aos poucos, docemente, o corpo foi entrando num limbo em que não estava acordado nem a dormir. A quietude interior era absoluta, o coração batia ritmado e calmo, a respiração era um sopro. Estava-se bem, ali esticada no sofá, no mar da tranquilidade. Não queria regressar, nem ir mais além.
Aquilo durou umas duas hora, e não foi mau. Nem bom. Foi estranho.
Prosaico, o meu filho riu-se muito e limitou-se a dizer que eu apanhei uma grande moca.