O Lopes (Short story)
Era o final dos anos 1960, e o regime político vigente - a ditadura, tinha resolvido dar um ar de sua graça, anunciando eleições legislativas com a participação da oposição.
Todos os que já antes davam ao seu contributo para o fim do regime e a instauração da democracia se organizaram para concorrer às eleições de 1969.
Eram homem e mulheres de várias orientações políticas. Mais tarde, uns afirmara-se comunistas, outros socialistas, outros sociais democratas, outros católicos progressistas, mas ali, naquele tempo, as tendências individuais não eram importantes.
Importante era a militância em prol da democracia, e o espírito de corpo.
Juntos viveram semanas de convívio intenso e cheio da adrenalina que o perigo e o medo produzem.
O Lopes integrava o grupo. Não tinha ainda profissão definida, nem estudos que se vissem, mas era empenhado e corajoso. Estaria nos seus vinte e poucos anos.
Margarida também integrava o grupo. Mais nova e mais desembaraçada.
Como se esperava, as eleições estavam viciadas, a oposição democrática foi derrotada e cada um voltou à sua vida.
Trinta anos depois, estava Margarida a presidir a uma mesa de voto quando, ao olhar para o próximo votante, não o reconheceu, mas ouviu-o, ao abeirar-se da mesa dizer alto e bom som:
- Margarida!!! Há quantos anos não te via! E a paixão que eu tive por ti, mulher! Nem tu sonhas!
A sala silenciou, e todas as cabeças se viraram para ver quem seria que tinha a supimpa lata de, naquele lugar "solene", fazer uma declaração de amor tardia e tonitruante.
Uns sorriram, outros afivelaram a sorumbática máscara do respeitinho (estes últimos eram, decerto, os que nunca tiveram a sorte de conhecer uma paixão.)
Margarida também sorriu, cumprimentou, e disse alto o nome do eleitor para que os escrutinadores o descarregassem nos dois cadernos eleitorais.
Era o Lopes.
Logo depois do voto depositado na urna, como era inevitável, e sem surpresas de fim de história, de novo cada um voltou à sua vida.