Ramon (Short story)
Mediano. Tudo nele era mediano. Nem alto nem baixo, nem gordo nem magro, nem bonito nem feio, Ramon era, se calhar, banal.
O amor que dedicava a pai e mãe, mulher e filhos, era comedido, digamos que, nem quente nem frio.
Comia pouco, falava pouco e o humor também variava pouco.
Alheio a qualquer misticismo, não acreditava nem deixava de acreditar, não rezava, mas nos “apertos” era capaz de “pedir a Deus”.
Dormia bem e não se lembrava de sonhar, a não ser quando tinha aquele sonho recorrente, que não sabia de onde lhe vinha, visto ter nascido no interior e só tarde ter visto o mar, em que se via náufrago e sozinho no meio do oceano. E nem tinha lido “Retrato de um Náufrago” de Garcia Marquez, garanto eu. Mas, felizmente, o sonho também não o agastava.
Não lia jornais mas via os noticiários na televisão. Nunca exprimia opiniões políticas. Mudava de roupa dia sim dia não, e engraxava os sapatos ao domingo de manhã. Uma vez por ano, ia ao dentista e controlava a próstata.
Burocrata sem angústias nem paixões, cumpria os horários atribuídos e as tarefas pedidas, era pontual à entrada e à saída.
Os dias faziam-se por entre papéis, computador, telefone, clientes e colegas, que não amigos.
Acordar, barbear, tomar banho, dejejum; um beijo distraído à mulher e um automático “até logo”.
À sua maneira, parecia feliz. E banal. E mediano.
Num dia frio e ensolarado, pouco antes do Natal, cumpridas todas as rotinas matinais, Ramon meteu-se no carro e fez o caminho pela estrada da costa. Frente ao mar, estacionou e desceu à praia.
Descalçou os sapatos, meteu neles a chave do carro e desapareceu.
Houve buscas, mas Ramon não colaborou.
E então? então... gosto de finais abertos.