Outono no jardim
A foto é minha, mas pode levar.
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A foto é minha, mas pode levar.
Javier Marías, Madrid, 1951
Se, dum total de quase quinhentas páginas, o editor tivesse convencido Marías a desfazer-se de umas cem, cá para mim a obra tinha melhorado substancialmente.
Limpar, limpar, limpar, julgo ser a grande dificuldade de qualquer obra de arte mas creio que é também nessa capacidade, ou na sua falta, que reside muito da grandeza do autor, qualquer autor.
Isto é só a minha opinião, claro, que não sou expert em nada.
Posto isto, e com um tema de espionagem tão cândido que a gente percebe logo tudo de entrada, até porque já leu uma pancada de livros do le Carré, Javier Marías escreve aqui sobre a espera, a solidão, o silêncio, a ausência, a canalhice, e ainda sobre essa coisa extraordinária que às vezes acontece às pessoas – a decisão de amar alguém.
Em longos períodos cheio de denso pensamento, ora tão explicativos que acabam por cortar a acção, ora de cariz intimista mas que já nada acrescentam ao que os clássicos nos ensinaram sobre o género humano, Marías compõe um livro cheio de altos e baixos, às vezes palavroso, às vezes sedutor.
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Nápoles, 2013
Mais uma história bem contada, passada em Nápoles, embora sem a densidade da tetralogia.
É um livro sobre a adolescência e a passagem para o estado de jovem adulto, no feminino.
História não situada no tempo, mas que eu situaria na primeira metade dos anos 1990. Geograficamente, ao contrário, Nápoles é um dos personagens principais. Com os seus bairros estratificados socialmente, os seus desníveis orográficos são pano de fundo natural para a parte “upstairs/downstairs” do romance.
As trocas de parceiros (não ocasionais, mas definitivas) dos dois casais parece pouco verosímil, bem como a relação de Roberto e Giuliana. Ele é alguém que nasce “lá em baixo” mas que pela superior inteligência e brilho próprio ascende à vida universitária em Milão; Giuliana, por seu lado, mantém-se “lá em baixo” sem saber muito bem se quer subir com Roberto ou trazê-lo, de novo, para baixo. Acaba por ir para Milão mas parece uma relação sem pernas para andar dado o grande desnível intelectual, coisa que Giuliana percebe. De Roberto, porém, não sabemos o que intui ou espera da relação, o que é um ponto fraco do livro.
A dolorosa passagem da adolescência da heroína do romance é o que são quase todas as adolescências: as descobertas das fraquezas dos adultos que admirou incondicionalmente, a contestação, o desejo de os chocar quer pelo vestuário, linguagem, desapego, chumbos, afirmação da individualidade. A descoberta do sexo é fulcral no livro. Giovanna começa por encontrar o prazer na masturbação e nas relações homossexuais com a amiga, para partir depois à descoberta do homem. As experiências que tem são exclusivamente físicas e detestáveis, ou mesmo nojentas, segundo ela. Julga ter encontrado o amor na pessoa de Roberto mas, ao contrário do que pensa, não quer, verdadeiramente, dormir com ele.
A perda da virgindade acaba por consumar-se numa espécie de crua transacção , assim como quem vai ao dentista porque tem que ir, sem qualquer ligação com quem lhe escarafuncha a boca, desejando sair dali com o “serviço” feito, apenas porque ele TINHA DE SER FEITO.
O romance termina com este episódio e Giovanna parte feliz para férias em Veneza com uma amiga “de cima” ao encontro de um amigo “de baixo”.