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Última Paragem

O blog do bicho do mato

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Última Paragem

28
Out20

Terra Alta, Javier Cercas

Maria J. Lourinho

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Mais um herói sofrido e imperfeito. Herói acidental na matança islâmica no passeio de Barcelona, apaixonado por “Os Miseráveis” que leu na prisão, é mandado, por motivos de segurança, para a região de Terra Alta onde, supostamente, não acontece nada.

Mas aconteceu, claro - o assassinato macabro de um idoso casal, dono da maior empresa da região. A investigação é arquivada ao fim de meses pois não foi possível encontrar culpados.

Melchor Marín, o cabrão do espanhol - naquela terra catalão, porém, não desiste.

Na busca, perde a mulher e o (talvez) único amigo que teve, mas encontra-se a si próprio, coisa que nunca tinha acontecido, e descobre o seu lugar de pertença.

Não são essas coisas absolutamente essenciais para a personalidade e integridade de qualquer ser humano?

Por fim, depois de trinta anos sem chão, a vida pode começar.

Policial bem escrito, vivo na narrativa. Como de costume, Cercas não se perde em rodriguinhos palavrosos tão ao gosto de muitos escritores espanhóis. Seco e macho, com uma dose qb de sensibilidade, a mi...me encanta.

21
Out20

Leituras I

Maria J. Lourinho

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"Gandhi dava de facto espaço às mulheres para participarem no movimento nacional. Mas elas tinham de ser virtuosas; tinham, por assim dizer, de ostentar na sua pessoa "marcas" que "esterilizassem o olhar do pecador". Tinham de ser mulheres obedientes que nunca desafiassem as estruturas tradicionais do patriarcado.

Gandhi pode ter desfrutado e aprendido muito com as suas "experiências". Mas ele já lá vai e deixou aos seus seguidores o legado de um mundo sem graça, livre de piadas: nenhum desejo, nenhum sexo - que descreveu como um veneno pior que veneno de cobra - nem comida, nem colares, nem roupa bonita, nem dança, nem poesia. E muito pouca música. É verdade que Gandhi influenciou a imaginação de milhões de pessoas. Mas também é verdade que debilitou a imaginação política de outros tantos milhões, com os seus padrões impossíveis de "pureza" e retidão como qualificação mínima para a intervenção política"

Coração Reberde ---- Ensaios Escolhidos

Arundhati Roy

18
Out20

Drawing Room

Maria J. Lourinho

Rui Horta Pereira

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Para fazer estes desenhos, o Rui usou papel, mas não lápis. Antes água da chuva, sol, placas de madeira ou pedras sobre as folhas de papel empilhadas. E tempo, muito tempo.

Depois, quem mais "trabalhou" foi o acaso.

 "Música do Acaso"  -  título de um livro de Paul Auster, bem podia ser igualmente o nome deste belo trabalho, exposto no pavilhão 13 da Drawing Room Lisboa, em 16, 17 e 18 de Outubro 2020.

A foto é minha, mas pode levar.

 

14
Out20

Lydia Davis

Maria J. Lourinho

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Lydia Davis, USA, 1947

Rainha das short stories, que frequentemente não são mais que uma ou duas linhas, exige, com elas, toda a nossa atenção a cada palavra. Neste poema, além da atenção às palavras, ainda é necessário dar toda a atenção às vírgulas.

 Só para quem não tem pressa.

Heart weeps.
Head tries to help heart.
Head tells heart how it is, again:
You will lose the ones you love. They will go. But
even the earth will go, someday.
Heart feels better, then.
But the words of head do not remain long in the ears
of heart.
Heart is so new to this.
I want them back, says heart.
Head is all heart has.
Help, head. Help heart.

12
Out20

"Recordações do Futuro", Siri Hustvedt

Maria J. Lourinho

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Livro difícil, com vários planos e tempos de narrativa. Entre a juventude e o início da velhice,  a verdade e a ficção, o tempo, o que se vive e o que se inventa, o que projectamos e o que alcançamos , os que se perdem e os que ficam para sempre.

Profundamente feminista, SH nunca faz a mais pequena cedência ao fácil ou lacrimoso, nem quando passa fome em Nova Iorque, nem quando quase é violada e salva por um grupo de mulheres “bruxas” do apartamento do lado.

Introspectiva, Siri busca a verdade do passado, na serenidade do presente, em que também ainda se sente futuro.

“Sou uma velha sem pressa e sem cansaço”, diz.

No meu caso, só a primeira parte é verdadeira.

 

 

11
Out20

Berta Isla, Javier Marías

Maria J. Lourinho

Javier Marías.jpg

Javier Marías, Madrid, 1951

Se, dum total de quase quinhentas páginas, o editor tivesse convencido Marías a desfazer-se de umas cem, cá para mim a obra tinha melhorado substancialmente.
Limpar, limpar, limpar, julgo ser a grande dificuldade de qualquer obra de arte mas creio que é também nessa capacidade, ou na sua falta, que reside muito da grandeza do autor, qualquer autor.
Isto é só a minha opinião, claro, que não sou expert em nada. 
Posto isto, e com um tema de espionagem tão cândido que a gente percebe logo tudo de entrada, até porque já leu uma pancada de livros do le Carré, Javier Marías escreve aqui sobre a espera, a solidão, o silêncio, a ausência, a canalhice, e ainda sobre essa coisa extraordinária que às vezes acontece às pessoas – a decisão de amar alguém.
Em longos períodos cheio de denso pensamento, ora tão explicativos que acabam por cortar a acção, ora de cariz intimista mas que já nada acrescentam ao que os clássicos nos ensinaram sobre o género humano, Marías compõe um livro cheio de altos e baixos, às vezes palavroso, às vezes sedutor.

 

.

 

11
Out20

"A Vida Mentirosa dos Adultos", Elena Ferrante

Maria J. Lourinho

2013.JPG

Nápoles, 2013

Mais uma história bem contada, passada em Nápoles, embora sem a densidade da tetralogia.

É um livro sobre a adolescência e a passagem para o estado de jovem adulto, no feminino.

História não situada no tempo, mas que eu situaria na primeira metade dos anos 1990. Geograficamente, ao contrário, Nápoles é um dos personagens principais. Com os seus bairros estratificados socialmente, os seus desníveis orográficos são pano de fundo natural para a parte “upstairs/downstairs” do romance.

As trocas de parceiros (não ocasionais, mas definitivas) dos dois casais parece pouco verosímil, bem como a relação de Roberto e Giuliana.  Ele é alguém que nasce “lá em baixo” mas que pela superior inteligência e brilho próprio ascende à vida universitária em Milão; Giuliana, por seu lado, mantém-se “lá em baixo” sem saber muito bem se quer subir com Roberto ou trazê-lo, de novo, para baixo. Acaba por ir para Milão mas parece uma relação sem pernas para andar dado o grande desnível intelectual, coisa que Giuliana percebe. De Roberto, porém, não sabemos o que intui ou espera da relação, o que é um ponto fraco do livro.

A dolorosa passagem da adolescência da heroína do romance é o que são quase todas as adolescências: as descobertas das fraquezas dos adultos que admirou incondicionalmente, a contestação, o desejo de os chocar quer pelo vestuário, linguagem, desapego, chumbos,  afirmação da individualidade. A descoberta do sexo é fulcral no livro. Giovanna começa por encontrar o prazer na masturbação e nas relações homossexuais com a amiga, para partir depois à descoberta do homem. As experiências que tem são exclusivamente físicas e detestáveis, ou mesmo nojentas, segundo ela. Julga ter encontrado o amor na pessoa de Roberto mas, ao contrário do que pensa, não quer, verdadeiramente, dormir com ele.

A perda da virgindade acaba por consumar-se numa espécie de crua transacção , assim como quem vai ao dentista porque tem que ir, sem qualquer ligação com quem lhe escarafuncha a boca, desejando sair dali com o “serviço” feito, apenas porque ele TINHA DE SER FEITO.

O romance termina com este episódio e Giovanna parte feliz para férias em Veneza com uma amiga “de cima” ao encontro de um amigo “de baixo”.

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